Congado: Força e Fé (2002-2008)
Durante alguns anos, percorri algumas cidades de Minas Gerais, registrando a festa em devoção a Nossa Senhora do Rosário. Encantei-me com essa celebração que pulsa a cultura negra, o sagrado e o ancestral, ecoa em cantos e tambores, e se espalha pelos cortejos como uma grande festa.
O termo Congo ou Congada designa danças que encenam, de forma sequencial, episódios representados exclusivamente por pessoas negras. Tais danças configuram-se, pela sua extensão e articulação cênica, como autos dramáticos populares. Segundo Câmara Cascudo (1952), existem duas motivações principais para essas manifestações:
a) a coroação simbólica de reis congos honorários, associada a práticas religiosas, cortejos e visitas protocolares a figuras de prestígio;
b) o sincretismo entre as danças guerreiras africanas e as reminiscências históricas das regiões de origem dos escravizados de etnia banta — particularmente Congo e Angola —, reunidas em um ato ritual de rememoração coletiva.
Refletir sobre o sentido e o significado do Congado implica analisar uma das mais importantes manifestações culturais de matriz africana no Brasil, com especial destaque para o estado de Minas Gerais, onde essa tradição encontrou espaço favorável para sua preservação. Durante o período colonial, nas vilas mineiras, a Coroa portuguesa e seus representantes procuravam impor padrões europeus de civilidade, reprimindo manifestações públicas e festividades populares. Apesar disso, as festas dedicadas ao Rei Congo persistiram com expressiva vitalidade. Às irmandades religiosas negras, uma vez instituídas, cabia a responsabilidade pela realização de diversas festividades, entre as quais se destacava o Congado.