Carta branca
(2020)
Tenho o hábito, há anos, de fazer boa parte da minha rotina a pé.
Como ponto de partida, a Rua Sapucaí, nos arredores do Viaduto Santa Tereza, em minha cidade natal, Belo Horizonte,
ando com uma câmera fotográfica de um aparelho celular.
A cidade, à noite, entorpece; dia e noite, tudo acontece de forma intensa.
Vê-se de tudo, e nos deparamos com o inusitado, o imprevisível e a realidade desigual.
O Paulo, morador de rua, era viciado em crack e me chama de “paçoquinha”, pois sempre ganhava uma quando o via.
Para outras pessoas, não sou perceptível — quase invisível — em uma cidade que pulsa com todas as suas peculiaridades.
O direito de ir e vir de cada um que ocupa e transforma o espaço público me fascina. Faz com que eu me perceba como mais um na multidão.
Carta Branca
em caixa preta
O diálogo proposto neste fotolivro articula dois trabalhos impactados pela conjuntura brasileira.
Carta Branca é a primeira experiência do autor na captação de imagens com celular. A série reúne fotografias produzidas durante caminhadas em Belo Horizonte entre o golpe que destituiu a presidência da República em 2016 e a eleição de seu sucessor. Guilherme recolhe pistas e constrói uma narrativa que antecipa o resultado da confiança irrestrita que levou à vitória nas urnas.
No verso, a série 01/01/2019 com fotografias de intervenções realizadas em antigas cédulas. A paixão numismática desaguou no primeiro dia do mandato de Jair Bolsonaro como presidente da República para inscrever sobre a efígie de inspiração liberal da nota de 200 cruzados novos – lançada em 1989, em comemoração ao I Centenário da República – uma sátira aos players do jogo democrático. Na capa e contracapa, o baralho estampa a figura dourada de 100 dólares para lembrar os compromissos com a banca internacional.
Guilherme joga no dúbio e oferece uma nota autêntica carimbada como falsa. É um cassino onde misturam-se Dólares, Cruzados Novos, Cruzeiros e Reais. A carta branca só é possível se a caixa-preta permanecer lacrada.
Sinara Sandri
Doutora em Comunicação
Curadora do FestFoto
Em 2020, publiquei de forma independente meu terceiro livro, resultado da série fotográfica.
O livro de artista participou de 52 mostras, feiras de publicações, exposições coletivas e festivais em 22 países, além de ter sido finalista no Photobook Week Aarhus, em Aarhus, Dinamarca, e no Hong Kong Photobook Dummy Award, em Hong Kong.
Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=LfM0MTUvpcM